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As falas do corpo

Corporeidade como linguagem e expressão do ser

Loris Malaguzzi falou das 100 linguagens da criança denunciando que escola e sociedade matam 99 delas. Ao observar a linguagem corporal de crianças bem pequenas nos damos conta de sua importância para entender os seres que ainda não dominam a fala. Corpo é linguagem espontânea nos bebês, expressão clara de emoções e sensações, nos conta sobre necessidades e vontades. O corpo ao longo da vida veste além de roupas, convenções, padrões, mas continua em certa medida, linguagem humana por toda a vida.


A reflexão que proponho é pensar se as escolas permitem que a corporeidade das crianças flua com liberdade. Como a corporeidade é incluída nas concepções pedagógicas? Será que uma aula de educação física dá conta da imensidão da linguagem corporal, expressão humana que está presente o tempo todo, latente, viva, visivelmente nas crianças em toda primeira infância?

Dentro da escola tradicional as demandas do corpo são legadas à hora do recreio e à aula de educação física. Hoje as vivências corporais disseminadas nos espaços escolares são práticas que trabalham a questão de maneira dicotomizada, com finalidades muito específicas, tais como aulas de dança, capoeira, esportes, jogos, brincadeiras dirigidas e ginástica. O espaço físico e temporal do livre brincar e da livre expressão física é muito reduzido e, no pior dos casos, nem existe.


Certa vez, José Pacheco, perguntado a respeito das mudanças propostas para a Educação no Brasil disse: “Em uma aula, nada se aprende. Prova não prova nada”, provocou ele. Para o pedagogo, ainda temos como base um modelo de aprendizagem do século 19 e qualquer mudança que não seja estrutural será fracassada pois seus alicerces são inadequados.


“Ler” o corpo de uma criança implica necessariamente, em um olhar sensível e horizontal. Entender a cultura da infância pelo ângulo dela própria é o desafio primordial desta jornada. Um caminho muito bem demonstrado acontece na abordagem criada por Emmi Pikler. Outra base para inspirar novos caminhos vem da Pedagogia Waldorf que atende a corporalidade como muito importante no desenvolvimento do ser, especialmente nos sete primeiros anos de vida. Esta Pedagogia cria muitas oportunidades a exploração dos movimentos. Como espaços ricos em possibilidades, contato com a natureza, e tempo para que as crianças trabalhem seus movimentos de forma não dirigida. A ênfase nas atividades corpóreas nesta fase poderão se converter em facilidade para escrita, e em uma boa capacidade de atuar com liberdade na vida adulta, por exemplo.


Quando os currículos privilegiam a razão, quando não se não leva em consideração o ‘corpo total’, instrumentalizando-o, disciplinando e racionalizando-o, fica mais difícil conhecer e potencializar o próprio corpo e a si mesmo como um todo. Hoje muitos estudos falam que as linguagens corpóreas são experiências fundamentais para a ampliação do repertório expressivo, para a capacidade criativa. Infelizmente é na escola que aprendemos a dissociar corpo com o resto de nós. Na escola demarca-se muito claramente os momentos do corpo (recreio, aula de educação física), não livre, com regras, esquemas, e a hora da mente, do desenvolvimento cognitivo, (silêncio, atenção, corpo quieto, sentado) sala de aula.


O corpo precisa de tempo, liberdade e espaço, a realidade escolar aliada ao amplo acesso aos tablets, games e celulares, levando em conta os estilos de vida das grandes cidades (o tempo passado em carros, espaços reduzidos de moradia) reduz ainda mais as possibilidades.


Na segunda infância, a partir dos 7 anos, a anulação do corpo fica ainda mais evidente. Se pensarmos no esquema clássico da sala de aula (fileiras, carteiras, lousa, posicionamento do professor) é notório o esforço para anular o corpo. A escola, muitas vezes traz as marcas da cultura do sistema dominante, que caracterizam o capitalismo. É mais fácil relacionar a imagem de uma criança sentada numa carteira escolar com as mesas de um escritório do que com processos ativos e vivências de aprendizagem. O que se alcança é muito mais próximo de um adestramento do corpo do que uma aprendizagem do corpo. Dissociar corpo e movimento das emoções e da linguagem é reduzir a aprendizagem.


Os movimentos livres não estão inclusos nos saberes da escola tradicional que valoriza a aquisição total ou parcial da leitura ainda na primeira infância como objetivo principal. Ler vai além da palavra escrita, além da decodificação de símbolos gráficos ou fonemas. Uma leitura analítica, crítica considera imagens, sons, escrita, gestos, falas, corpo e alma. Encarar o ser humano integralmente é o desafio essencial do processo de humanização da educação institucional e familiar.





Tempo do Brincar é um projeto pedagógico, realizado por Priscila Maranho  e mail: primaranho@gmail.com

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